autora: Priscila Arantes
aluna: Izabela Evangelista
A autora inicia seu artigo recorrendo ao estudioso Walter Benjamim para resalter que longe de enxergar a história da arte apenas como a história dos conceitos estéticos, o filosofo acentua a importância dos meios e técnicas que permitem colocar esses conceitos em voga. De acordo com Benjamim, as técnicas desencadeiam percepções e processos cognitivos que são, muitas vezes os motores das transformações estéticas.
Agregado e este conceito de acordo com o autor Vattimo a presença massiva dos meios de comunicação na sociedade levaria a uma erosão do princípio de realidade e a uma explosão da estética para fora dos limites que lhes eram estabelecidos pela tradição. Nessa estetização o que está implícito no pensamento do autor é a importância do fenômeno estético para se pensar as questões mais gerais da realidade social.
A autora vai então a partir desses dois princípios de que 1) a técnica determina os preceitos perceptivos e 2) as questões estéticas estão atreladas às discussões mais gerais da sociedade, para então discutir as metamorfoses da percepção no contexto da contemporaneidade.
Priscila Arantes então se pergunta: “se for certo que existe uma intrínseca relação entre estética, meios técnicos e sociedade, quais os formatos perceptivos engendrados a partir do advento da cibercultura e como as discussões espaço-temporais refletem, o momento do capitalismo informacional do nosso tempo?”
A autora passa nesse trabalho pela hipótese de que as novas tecnologias midiáticas instauram uma estética do fluxo. Fluxo é a qualidade , ato ou efeito de fluir . (diz respeito ao movimento de um líquido e também à substância que facilita a fusão de outras). Zygmunt Bauman (2001) utiliza os termos liquidez e fluidez para descrever a cultura do nosso tempo.
Segundo essa visão: “os valores morais enfraquecem em sua coerência, as instituições tornam-se cada vez mais “leves”, cada vez menos comprometidas com acordos de longa duração, as relações afetivas fogem a contatos duradouros, as verdades deixam de ser inquestionáveis. Nesse mundo-contrariamente ao pensamento moderno em que a razão dominava soberana e as verdades eram sólidas como as certezas sobre as coisas- situamo-nos dentro da lógica da indeterminação, da não perenidade, daquilo que é volátil e efêmero, incerto, instável e passageiro.”
“A sociedade do nosso tempo é marcada pelos fluxos de informações e inovações tecnológicas. Mais que meros recursos técnicos, as tecnologias da informação vêm provocando alterações profundas no mundo do trabalho, da economia, na área da cultura, na área social, no aparelho perceptivo, ou seja, na forma de nos relacionarmos com o tempo e o espaço.”
A autora Priscila Arantes contrapõem então o espeço renascentista que era homogêneo, mensurável, centrado no sujeito e na visualidade ao espaço contemporâneo que instaura noções como a da ubiquidade inerente a uma lógica de fluxos de informação. “O espaço contemporâneo parece ter se esfarelado trocando sua fixidez e imobilidade por um espaço em fluxo, que coloca na conexão, na mobilidade e no sujeito em trânsito seu eixo fundamental. ” Essa mudança ocasiona várias consequências na arte como por exmplo:
- A prática dos deslocamentos às desterritorializações.
- Crítica ao cubo branco e ao sistema da arte.
- A ruptura com os espaços expositivos tradicionais como museus e galerias de arte.
- Práticas de intervenção urbana
- Performances
- Produções artísticas em rede
- Experimentações em arte móvel
Para Priscila Arantes neste artigo “o que interessa é menos realizar um estudo histórico sobre o conceito de espaço na arte, mas verificar como o discurso de um espaço móvel, em fluxo, interfacetado que prevê a conexão, a mobilidade e a comutação entre espaço físico e espaço de comunicação, é revelador de determinados preceitos de cultura “líquida” e “fluida” do nosso tempo.”
A fixidez do espaço no renascimento
A perspectiva central técnica empregada no século XV pressupõem uma visão racional e sistemática do espaço. A ordem divina das coisas passa a ser substituída por uma ordem racional e científica, e o espaço passa a ser a criação da inteligência do artista geômetra.
Há a utilização da perspectiva. A concepção de espaço no renascimento é reveladora de uma relação profunda com os princípios cartesianos de racionalidade que foram integrados ao projeto do iluminismo (base epistemológica do pensamento moderno). “A cidade ordenada e regular é metáfora do pensamento racional…”
A cidade como escritura
Surgem as figuras dos dadaístas que promoviam excursões urbanas por lugares banais. Eles enfocavam a experiência física da errância no espaço urbano. Essa prática se tornou a base de muitos movimentos entre eles o dos Surrealistas. A cidade de Paris no início do século é a metáfora do pensamento surrealista e da crítica à racionalidade cartesiana. “A cidade dos surrealistas não revela um espaço regrado e seguro…não é metáfora das certezas e verdades prometidas pelos ideais da Razão, mas um espaço prenhe de sonhos, desejos, cruzamentos insólitos, imagens dialéticas, ambiguidades e passagens que devem ser decifradas.”
As errâncias surrealistas e as deambulações pelo espaço urbano irão inspirar a figura do flâner. Criado por Benjamim, ele é o protótipo da disposição ao ócio, ao andar vagabundo, e uma percepção dispersa e distraída.
Investigações poéticas no ambiente urbano
No Brasil a utilização de espaços urbanos como meio expressivo eclode nos anos 1970. Houve uma intensa manifestação de grupos e práticas que reivindicavam autonomia em relação ao espaço confinado da galeria e do museu.
Um exemplo é o artista Artur Barrio que cria a intervenção “Situação” em 1969. A idéia foi depositar em diferentes locais do espeço público, trouxas com material orgânico e inorgânico, como cimento, borracha, carne e tecidos. O cheiro da carne apodrecida e o aspecto do sangue que manchava as superfícies, acabavam por gerar preocupações de ordem ideológica e política relacionadas ao momento da ditadura militar pelo qual passava o país. Colocavam também em debate a deterioração do sistema de arte cuja única permanência fixa parece ser dada pela figura do artista.
Em Avis de Recherche: Julia Margaret Cameron (1988), a ação consistiu em por várias semanas colocar em jornais e outras formas de comunicação, tais como grafites espalhados no espaço urbanode uma cidade no interior da França, notícias sobre o desaparecimento de uma personagem fictícia. O público era convidado a escrever sobre a personagem, ultrapassando a barreira entre o real e o imaginário. Além de criar um circuito coletivo de informação, o projeto instigava a imaginação do público, colocando em cena o fato de que fazemos parte de uma sociedade comunicante.
A escritura urbana das poéticas midiáticas na cultura líquida
Os trabalhos artísticos apesar de suas diferenças põem em discussão pontos fundamentais como: 1) A concepção de um espaço que se constrói a partir de contextos e interlocução sociais; 2) a comutação entre espaços físicos/urbanos e comunicacionais.
Segundo a autora “essas práticas colocam em questão a ideia da cidade como escritura, da cidade pensada como um dispositivo que guarda desejos, memórias e afetos. São experimentações que utilizam as linguagens midiáticas para criar situações de interlocução social, provocando um diálogo do corpo social com o corpo da cidade. São projetos que, de algum modo, enfocam o mundo, evidenciando as lógicas e as estruturas que permeiam a sociedade contemporânea.”
Um exemplo de trabalhos que enfocam essas práticas é o que foi executado pelo artista polonês Krzystof Wodiczko, que se utilizou de dispositivos midiáticos para dar voz a mulheres operárias na cidade de Tijuana, no México. O artista criou um capacete integrado a uma câmera e a um microfone que permitia gravar e transmitir em tempo real, a imagem da voz da depoente na fachada do centro cultural de Tijuana. Os testemunhos das mulheres ouvidos pelo público, em uma praça pública, discorriam sobre abuso sexual, alcoolismo e violência doméstica.
Conclusão
O que se percebe nesses trabalhos, apesar de suas diferenças, é a construção de uma visão de espaços em movimento, diferentes dos espaços fixos e racionalizantes da cultura renascentista. Esses espaços são fluídos reveladores de meandros da cultura líquida de nossa de nossa época. Uma cultura que põem em questão certezas, visões estáveis e verdades duradouras.
Na cidade atual não existe mais lugar para a certeza e segurança encontradas pelo eu cartesiano. Seus lugares estão prenhes de ambiguidades, passagens, vozes e escrituras de uma cultura em estado de liquefação.