Arquivo da categoria: Resenhas

Cartografias líquidas- A cidade como escrita ou a escrita da cidade

autora: Priscila Arantes

aluna: Izabela Evangelista

A autora inicia seu artigo recorrendo ao estudioso Walter Benjamim para resalter que longe de enxergar a história da arte apenas como a história dos conceitos estéticos, o filosofo acentua a importância dos meios e técnicas que permitem colocar esses conceitos em voga. De acordo com  Benjamim, as técnicas desencadeiam percepções e processos cognitivos que são, muitas vezes os motores das transformações estéticas.

Agregado e este conceito de acordo com o autor Vattimo a presença massiva dos meios de comunicação na sociedade levaria a uma erosão do princípio de realidade e a uma explosão da estética para fora dos limites que lhes eram estabelecidos pela tradição. Nessa estetização o que está implícito no pensamento do autor é a importância do fenômeno estético para se pensar as questões mais gerais da realidade social.

A autora vai então a partir desses dois princípios de que 1) a técnica determina os preceitos perceptivos e 2) as questões estéticas estão atreladas às discussões mais gerais da sociedade, para então discutir as metamorfoses da percepção no contexto da contemporaneidade.

Priscila Arantes então se pergunta: “se for certo que existe uma intrínseca relação entre estética, meios técnicos e sociedade, quais os formatos perceptivos engendrados a partir do advento da cibercultura e como as discussões espaço-temporais refletem, o momento do capitalismo informacional do nosso tempo?”

A autora passa nesse trabalho pela hipótese de que as novas tecnologias midiáticas instauram uma estética do fluxo. Fluxo é a qualidade , ato ou efeito de fluir . (diz respeito ao movimento de um líquido e também à substância que facilita a fusão de outras). Zygmunt Bauman (2001) utiliza os termos liquidez e fluidez para descrever a cultura do nosso tempo.

Segundo essa visão: “os valores morais enfraquecem em sua coerência, as instituições tornam-se cada vez mais “leves”, cada vez menos comprometidas com acordos de longa duração, as relações afetivas fogem a contatos duradouros, as verdades deixam de ser inquestionáveis. Nesse mundo-contrariamente ao pensamento moderno em que a razão dominava soberana e as verdades eram sólidas como as certezas sobre as coisas- situamo-nos dentro da lógica da indeterminação, da não perenidade, daquilo que é volátil e efêmero, incerto, instável e passageiro.”

“A sociedade do nosso tempo é marcada pelos fluxos de informações e inovações tecnológicas.  Mais que meros recursos técnicos, as tecnologias da informação vêm provocando alterações profundas no mundo do trabalho, da economia, na área da cultura, na área social, no aparelho perceptivo, ou seja, na forma de nos relacionarmos com o tempo e o espaço.”

A autora Priscila Arantes contrapõem então o espeço renascentista que era homogêneo, mensurável, centrado no sujeito e na visualidade ao espaço contemporâneo que instaura noções como a da ubiquidade inerente a uma lógica de fluxos de informação. “O espaço contemporâneo parece ter se esfarelado trocando sua fixidez e imobilidade por um espaço em fluxo, que coloca na conexão, na mobilidade e no sujeito em trânsito seu eixo fundamental. ” Essa mudança ocasiona várias consequências na arte como por exmplo:

  • A prática dos deslocamentos às desterritorializações.
  • Crítica ao cubo branco e ao sistema da arte.
  • A ruptura com os espaços expositivos tradicionais como museus e galerias de arte.
  • Práticas de intervenção urbana
  • Performances
  • Produções artísticas em rede
  • Experimentações em arte móvel

Para Priscila Arantes neste artigo “o que interessa é menos realizar um estudo histórico sobre o conceito de espaço na arte, mas verificar como o discurso de um espaço móvel, em fluxo, interfacetado que prevê a conexão, a mobilidade e a comutação entre espaço físico e espaço de comunicação, é revelador de determinados preceitos de cultura “líquida” e “fluida” do nosso tempo.”

A fixidez do espaço no renascimento

A perspectiva central técnica empregada no século XV pressupõem uma visão racional e sistemática do espaço. A ordem divina das coisas passa a ser substituída por uma ordem racional e científica, e o espaço passa a ser a criação da inteligência do artista geômetra.

Há a utilização da perspectiva. A concepção de espaço no renascimento é reveladora de uma relação profunda com os princípios cartesianos de racionalidade que foram integrados ao projeto do iluminismo (base epistemológica do pensamento moderno). “A cidade ordenada e regular é metáfora do pensamento racional…”

A cidade como escritura

Surgem as figuras dos  dadaístas que  promoviam excursões urbanas por lugares banais. Eles enfocavam a experiência física da errância no espaço urbano. Essa prática se tornou a base de muitos movimentos entre eles o dos Surrealistas. A cidade de Paris no início do século é a metáfora do pensamento surrealista e da crítica à racionalidade cartesiana. “A cidade dos surrealistas não revela um espaço regrado e seguro…não é metáfora das certezas e verdades prometidas pelos ideais da Razão, mas um espaço prenhe de sonhos, desejos, cruzamentos insólitos, imagens dialéticas, ambiguidades e passagens que devem ser decifradas.”

As errâncias surrealistas  e as deambulações pelo espaço urbano irão inspirar a figura do flâner. Criado por Benjamim, ele é o protótipo da disposição ao ócio, ao andar vagabundo, e uma percepção dispersa e distraída.

Investigações poéticas no ambiente urbano

No Brasil a utilização de espaços urbanos como meio expressivo eclode nos anos 1970. Houve uma intensa manifestação de grupos e práticas que reivindicavam autonomia em relação ao espaço confinado da galeria e do museu.

Um exemplo é o artista Artur Barrio que cria a intervenção “Situação” em 1969. A idéia foi depositar em diferentes locais do espeço público, trouxas com material orgânico e inorgânico, como cimento, borracha, carne e tecidos. O cheiro da carne apodrecida e o aspecto do sangue que manchava as superfícies, acabavam por gerar preocupações de ordem ideológica e política relacionadas ao momento da ditadura militar pelo qual passava o país. Colocavam também em debate a deterioração do sistema de arte cuja única permanência fixa parece ser dada pela figura do artista.

Em Avis de Recherche: Julia Margaret Cameron (1988), a ação consistiu em por várias semanas colocar em jornais e outras formas de comunicação, tais como grafites espalhados no espaço urbanode uma cidade no interior da França, notícias sobre o desaparecimento de uma personagem fictícia. O público era convidado a escrever sobre a personagem, ultrapassando a barreira entre o real e o imaginário. Além de criar um circuito coletivo de informação, o projeto instigava a imaginação do público, colocando em cena o fato de que fazemos parte de uma sociedade comunicante.

A escritura urbana das poéticas midiáticas na cultura líquida

Os trabalhos artísticos apesar de suas diferenças põem em discussão pontos fundamentais como: 1) A concepção de um espaço que se constrói a partir de contextos e interlocução sociais; 2) a comutação entre espaços físicos/urbanos e comunicacionais.

Segundo a autora “essas práticas colocam em questão a ideia da cidade como escritura, da cidade pensada como um dispositivo que guarda desejos, memórias e afetos. São experimentações que utilizam as linguagens midiáticas para criar situações de interlocução social, provocando um diálogo do corpo social com o corpo da cidade. São projetos que, de algum modo, enfocam o mundo, evidenciando as lógicas e as estruturas que permeiam a sociedade contemporânea.”

Um exemplo de trabalhos que enfocam essas práticas é o que foi executado pelo artista polonês Krzystof Wodiczko, que se utilizou de dispositivos midiáticos para dar voz a mulheres operárias na cidade de Tijuana, no México. O artista criou um capacete integrado a uma câmera e a um microfone que permitia gravar e transmitir em tempo real, a imagem  da voz da depoente na fachada do centro cultural de Tijuana. Os testemunhos das mulheres ouvidos pelo público, em uma praça pública, discorriam sobre abuso sexual, alcoolismo e violência doméstica.

Conclusão

O que se percebe nesses trabalhos, apesar de suas diferenças, é a construção de uma visão de espaços em movimento, diferentes dos espaços fixos e racionalizantes da cultura renascentista. Esses espaços são fluídos reveladores de meandros da cultura líquida de nossa de nossa época. Uma cultura que põem em questão certezas, visões estáveis e verdades duradouras.

Na cidade atual não existe mais lugar para a certeza e segurança encontradas pelo eu cartesiano. Seus lugares estão prenhes de ambiguidades, passagens, vozes e escrituras de uma cultura em estado de liquefação.            

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Martín-Barbero e Orozco Gómez – Mudanças na comunicação no novo século

Aryanne de Oliveira Araújo

O texto de Orozco Gómez, Comunicação social e mudança tecnológica: um cenário de múltiplos desordenamentos, como o próprio título já indica, apresenta uma discussão sobre a recepção de informações mediadas pela tecnologia, mais precisamente o computador, e as implicações desse novo modo de aquisição mediado pelos meios de comunicação, o qual acarreta diversos desordenamentos na cultura, no tempo, no espaço, etc.

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Resumo “As formas mestiças da mídia”‘

Jesus veio para mediar

Olívia Resende

A entrevista do professor Jesús Martín-Barbero na instalação do Fórum Permanente dos Programas de Pós-Graduação de Comunicação do Estado de São Paulo foi, de verdade, bastante proveitosa tanto para os que estavam presentes neste encontro, quanto para nós que podemos através da entrevista conhecer a trajetória deste grande autor e acompanhar como se deu o desenvolvimento das teorias da comunicação na América latina junto às aventuras e desafios da vida de Barbero.

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Apropriação e construção de práticas comunicativas nos espaço dos coletivos urbanos

Larissa Flores

Para o autor Michel de Certeau, a cidade deve ser um espaço de possibilidades, de práticas singulares e plurais. São essas práticas cotidianas, muitas vezes reprimidas ou banalizadas no planejamento das cidades, que constituem a vida urbana e tornam a cidade humanizada, viva. Se por um lado a cidade planejada ou cidade-conceito prescreve, por meio da estruturação dos espaços, como os habitantes devem agir, por outro lado, os habitantes extrapolam as regras, criam novas formas de viver a cidade, tornando-a uma “cidade dos caminhantes”.Essa cidade foge às representações, se modifica a todo instante, nunca será lida da mesma maneira. Isso acontece porque são as pessoas que constroem a cidade: elas decidem como interagir com o espaço, como dar significados a ele, como estabelecer práticas comunicativas dentro dele. Nesse sentido, os espaços públicos (que tem como princípio ser espaço para a coletividade)são tomados de formas diferentes por aqueles que o vivenciam. Cada habitante, portanto cria relações particulares com o ambiente público.

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Imagens e cores na cidade

Outdoors, grafites, pichações, anúncios, fachadas… Tudo isso mistura-se à paisagem urbana e, em trajetos da vida cotidiana rápida e movimentada, passam despercebidos. Muita informação, pouca dela armazenada. Por alguns dias tentei me manter atenta a esses detalhes, das imagens que nos cercam nos trajetos corriqueiros pela cidade. Mesmo tentando me manter atenta, percebo que em trajetos de carro, mais rápidos, deixei muita coisa ainda passar despercebida. Observei isso ao cruzar a mesma rua duas vezes e me deparar com pequenos e grandes detalhes que simplesmente se misturaram à paisagem, que se constituía apenas no caminho que eu tinha que seguir. Os mais diversos detalhes, as mais diversas cores, se transformaram em apenas uma rua, mais um local de passagem.

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Cartografia de Sentidos – A cidade habitada na Praça Raul Soares

Por Bruna Acácio

Quando Michel de Certeau, no texto “Caminhadas pela cidade”, descrevia como era ver Manhatan desde o 110 andar do World Trade Center – e o universo que se erguia no ar, imobilizado pelo olhar divino (Certeau, 1994, p.157-158) –, curiosamente me veio à mente as imagens aéreas da Praça Raul Soares, em Belo Horizonte. Seja nos noticiários dos canais locais, nas propagandas da prefeitura ou nos cartões-postais, a Praça quase sempre aparecia desde o alto. Pensava:“seria isto motivado pela possibilidade de vê-la como ponto convergente de quatro importantes avenidas da capital? Ou por que desde os céus, se tornam mais belos seus jardins e arquitetura em estilo francês?”.

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O endereço da sofisticação em Belo Horizonte

Em outubro de 2010, a revista Viver Brasil publicou uma matéria sob a seção Varejo, com o título “Quarteirões do luxo”. Nela apresentava um trecho da rua Rio de Janeiro como sendo o “endereço da sofisticação na capital mineira”. De acordo com a publicação, o trecho corresponderia aos quarteirões delimitados pela avenida do Contorno e a rua Tomás Gonzaga:

“Num raio de cinco quarteirões na rua Rio de Janeiro, concentram-se nada menos do que 15 endereços comerciais de moda e decoração. Para detalhar este roteiro fashion, a Viver Brasil percorreu todo o trecho delimitado entre a avenida do Contorno e rua Tomás Gonzaga. O quarteirão comercialmente mais povoado fica entre as ruas Felipe dos Santos e Antônio Aleixo e reúne sete lojas. Produtos grifados, localização central, segurança, estruturas confortáveis e sofisticadamente decoradas, atendimento personalizado e mimos, muitos mimos, à clientela.” – revista Viver Brasil

A lembrança da publicação desta matéria, por mim, se deu à partir da leitura de “Notas sobre o espaço público e imagens da cidade”, da arquiteta e professora  da Universidade Federal da Bahia Paola Berenstein Jacques, publicado na revista eletrônica Arquitextos, onde a autora levanta o problema da espetacularização urbana. As questões levantadas por Jacques nortearam a escolha por esta paisagem. Extrapolando o foco da matéria, que era o varejo, o objetivo era perceber e identificar elementos deste espaço físico, de seu arranjo espacial, de sua sociabilidade e até mesmo de sua atmosfera, que o distinguissem e lhe fossem particulares, principalmente, em relação à região de seu entorno. A rua Rio de Janeiro é bastante extensa; atravessa os bairros de Lourdes e Centro, indo de um lado a outro da avenida do Contorno e, por isso, bastante heterogênea no que diz respeito aos seus frequentadores, transeuntes, espaços, estrutura, serviços e construções. Desejava-se, ainda, na realização deste fichamento em campo, identificar e pontuar os dispositivos da região delimitada (a Rio de Janeiro da sofisticação) que convocam, orientam e condicionam as relações que as pessoas têm com o espaço.

As derivas foram feitas no mesmo dia (10/04, terça feira) em dois horários; a primeira se iniciou às 14:30 e a segunda às 18h, isso para perceber o mesmo trecho em momentos distintos. O trecho foi percorrido partindo-se da rua Rio de Janeiro na esquina da rua Tomás Gonzaga, até o final da rua no cruzamento com a avenida do Contorno. Depois, à esquerda descendo a rua Espírito Santo, passando novamente pela Tomás Gonzaga, subindo a rua Curitiba e finalizando em seu cruzamento com a avenida do Contorno. Isso por duas vezes, nos horários citados acima.

Os “quarteirões do luxo” da rua Rio de Janeiro, observados atentamente, são impressionantemente homogêneos. Podem ser resumidos – sem o risco de se deixar nada de fora – em: ruas bastante arborizadas, passeios largos, lojas extremamente luxuosas, poucas pessoas transitando (principalmente no começo da tarde), muitos carros circulando e estacionados (e é um lugar onde se vê muito facilmente veículos de luxo e/ou importados) e uma quantidade impressionante de prédios residenciais – muitos também sendo construídos. A sensação é de uma certa esterilidade, provocada pela quase ausência de pessoas circulando, bem como de lixo jogados nas ruas, pichações, grafites, outdoors, cartazes colados, bares, enfim, tudo aquilo que faz do Centro e de outros bairros tão “vivos”, e que “falta” ali.

Todos estes elementos citados (os presentes e os que faltam) acabam por configurar um espaço espetacularizado, pacificado e domesticado. Como pontuou Jacques, através do processo de mercantilização da região – gradativamente transformada em “endereço da sofisticação da capital mineira” – uma nova imagem foi (e está sendo) criada para este espaço urbano, a fim de conquistar para ele novos lugares geopolíticos na rede global de cidades turísticas e culturais. Como bem cita a autora, “hoje, paradoxalmente, a referência de espaço público dito “de qualidade” passa a ser um espaço privado, na maior parte das vezes, um espaço interno, cercado e com segurança privada.”. E é exatamente este tipo de espaço que a região tratada neste fichamento apresenta: a presença de manobristas e seguranças nas portas das lojas e edifícios residenciais é marcante; bebês passeiam em seus carrinhos acompanhados de profissionais devidamente identificadas como “acompanhantes”, tipo incomum em qualquer outro lugar e visto mais de uma vez no mesmo dia; as lojas são todas muito amplas e iluminadas. Suas fachadas são imponentes e até mesmo intimidadoras, marco regulatório, talvez, do tipo de frequentador e consumidor para o qual ela se anuncia.

Às 18h, quando se acreditava que o clima e a atmosfera deste urbano se transformaria radicalmente, as diferenças são poucas. Saídas do trabalho e das aulas, algumas poucas pessoas são percebidas nas lojas e transitando nas ruas. Faz falta nestes cinco quarteirões percorridos qualquer tipo de espaço de convívio. Não há praças, parques, sequer bancos; os bares e alguns bistrôs e cafés se concentram sobretudo na região entre as ruas Tomás Gonzaga e Antônio de Albuquerque. Ao final do dia, pôde se perceber a sensação de movimentação, do burburinho do fim do expediente e do happy hour e da noite que se iniciava. Fora deste eixo, a calma e o silêncio provocados pelo pouco número de pessoas ainda se mantinha.

Os quarteirões da rua Rio de Janeiro do bairro de Lourdes, que agora são os “quarteirões de luxo de Belo Horizonte”, ainda estão à espera da cidade e dos espaços verdadeiramente públicos que pulsam ao seu redor. Como salienta Jacques, o espaço social é produzido e estruturado por conflitos, são sempre plurais e produzidos a partir de uma confrontação agonista e múltipla de superfícies discursivas. Pode-se observar claramente como isso é inexistente na região, ainda à “espera” de intervenções, tensões, conflitos, do democrático, de gente.

“(…) os conflitos urbanos não só precisam ser considerados como legítimos e necessários, mas que é exatamente da permanência da tensão entre eles que depende a construção de uma cidade mais democrática, que mistura permanentemente, embaralha e tensiona as fronteiras entre espaços opacos e luminosos (lisos e estriados, nômades e sedentários) mantendo viva a tensão entre eles no que podemos chamar de “zonas de tensão”, ou seja, precisamos urgentemente aprender a trabalhar com os conflitos e a manter essas tensões no espaço público, aprender a melhor agenciar, atualizar e incorporar estes conflitos e tensões nas teorias e práticas urbanas (…)” (JACQUES, Paola Berenstein)

Por: Pollyana Teixeira da Silva

Referências:

AVELINO, Luciana. Quarteirões do luxo. Viver Brasil, Belo Horizonte: Outubro, ano 2, nº46, p. 36 – 41, out. 2010. Disponível em: http://www.revistaviverbrasil.com.br/54/materias/01/especial-varejo/quarteiroes-do-luxo/

JACQUES, Paola Berenstein. “Notas sobre espaço público e imagens da cidade”. In: Arquitextos (São Paulo), 2009. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.110/41

Por que estudar a mídia? Robert Silverstone

Universidade Federal de Minas Gerais

Comunicação e Cultura Urbana

Aluno: Filipe W. Batista Staino

Texto: Por que estudar a mídia – Roger Silverstone

  •  Resenha da publicação

Em seu texto, Roger Silverstone começa descrevendo alguns momentos que fazem parte de um programa de TV. De acordo com a descrição que o autor realiza sobre o programa, o talk show parece tratar de vários aspectos da vida moderna de maneira irreverente.

Para o autor, o tal programa pode ser considerado um elemento que vive em constante “mastigação” da cultura cotidiana. Ou seja, os significados transmitidos por ele dependem da nossa atenção, isso é, se nos choca, repugna ou nos atrai. A partir desse exemplo Roger Silverstone propõe um ponto de partida para responder a pergunta que nomeia o texto por ele escrito.

Silverstone salienta que a mídia é onipresente e diária. Isto é, Uma dimensão considerada essencial para a nossa vida. É impossível escapar da influência que a mídia promove no nosso cotidiano. Dependemos da mídia (tanto impressa como eletrônica) para fins de entretenimento, informação, conforto e até segurança.  E é por ser um elemento tão fundamental para nossa vida cotidiana é que devemos estudá-la.

Conforme está descrito no texto devemos analisar a mídia como uma dimensão social, cultural, mas também política e econômica. Ou seja, estudá-la como algo que contribui para nossa capacidade de compreender melhor o mundo, de produzir e partilhar seus significados.

Ainda de acordo com o R. Silverstone, para responder a questão proposta com maior precisão, é preciso estudar as maneiras como a mídia participa da nossa vida social, cultural e contemporânea. Isso é, é preciso encarar a mídia como um processo, um espaço onde as pessoas se comunicam, onde procuram persuadir, informar, entreter, educar. Ou seja, um espaço no qual as pessoas tem como objetivo se conectar umas as outras.

Enfim, estudar a mídia nos faz confrontar com uma questão, depois com outra e mais outra. Silverstone afirma que estudamos a mídia porque queremos respostas para essas “questões”, respostas que não podem ser conclusivas. Isso é, por mais convincente que seja não se pode obter uma única teoria da mídia.

“Mídia: um aro, um halo e um elo”

ANTUNES, Elton; VAZ, Paulo Bernardo.

Larissa Flores

O texto “Mídia: um aro, um halo e um elo” problematiza o conceito de mídia. Ele faz parte de um livro cujo objetivo é estudar como as narrativas estruturam e se estruturam no cotidiano. Para os autores, é necessário ultrapassar a abordagem midiacêntrica, na qual se prioriza ou se restringe o estudo dos meios. Os autores defendem que a mídia não deve ser vista apenas como um instrumento de transmissão de mensagens. Para isso, eles pensam a mídia como um dispositivo. Nessa perspectiva, as dimensões da comunicação podem ser arranjadas espacialmente, ordenadas conforme critérios; a mídia é uma forma de ambiência (um meio em que) e também pode ser entendida como um enquadramento que institui um mundo próprio de discurso. Essa noção de dispositivo pode ser transferida para a cidade planejada, na qual as regras arranjam o espaço, enquadram as vivências, conformam as rotinas.

Em seguida, os autores enumeram e explicam três dimensões de análise da mídia. 1) Relacional:  nessa dimensão deve-se entender que as interações por meio da mídia são influências mútuas que os participantes exercem uns sobre os outros; essa dimensão engloba, precede e transborda parceiros da comunicação; não há um “marco zero” para construir sentido. 2) Interlocução: aqui, os parceiros estão sempre implicados no discurso da mídia. Há portanto, sempre um interesse. 3) Contrato: nessa dimensão é preciso pensar que a comunicação indica condições que definem a troca comunicativa. As regras estão implicadas na construção da comunicação. Para os autores, as três dimensões não são isoladas. Pelo contrário, estão imbricadas e podem ser vistas como círculos concêntricos, ou seja, que tem o mesmo ponto central e raios diferentes (Ver ilustração). Uma dimensão está contida dentro da outra e ainda assim não esgotam as possibilidades de análise da mídia.

A partir dessas três dimensões, os autores apresentam três formulações teóricas sobre a mídia. 1) Mídia como agendamento e controle de interações: nessa formulação, os autores defendem que a mídia não deve ser caracterizada como agenda da sociedade, mas um dispositivo que estabelece relações de agendamento. Ela é um lugar de convocação e coordenação da interação, uma arena de debates. No entanto, não se deve ignorar que há falas mais poderosas e com mais hegemonia que outras. 2) Lugar de experiências e lugar que interpreta e reconfigura experiências: a cultura oferece narrativas para a mídia e a mídia também influencia nessa cultura. Os fluxos são diferentes, podendo ser mais fortes ou mais fracos em um dado momento. Há um diálogo com a vida, mas nem sempre os discursos são acolhidos da mesma maneira. Para os discursos serem reconfigurados há conflitos, lugares de contradição, em que as falas se misturam e se recompõem.  3) Transmissibilidade e reprodutibilidade: os autores apresentam rapidamente algumas teorias que vêem  a mídia como um elo material que viabiliza o contato entre sujeitos. Para eles, mesmo algumas teorias menos transmissionistas não consegue captar a dinâmica das relações.

A mídia, portanto, é entendida pelos autores como um aro, aquilo que delimita; um halo, um círculo luminoso que foca algo; e um elo, tendo em vista que proporciona a relação entre os diversos sujeitos.

“Notas sobre espaço público e imagens da cidade” – Paola Berenstein Jacques

Por Bruna Acácio

Referência: JACQUES, Paola Berenstein. “Notas sobre espaço público e imagens da cidade”. In: Arquitextos (São Paulo), 2009. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.110/41
Paola B. J. aponta que os espaços públicos – vivos, intensos e conflituosos – passam por um processo de pacificação no contexto contemporâneo da espetacularização urbana. Busca-se ocultar conflitos e eliminar dissensos, gerando uma visada apolítica das cidades e o empobrecimento da experiência urbana. Como forma de luta, Jacques sugere a adoção de micro-resistências que explicitem os conflitos e dissensos próprios do urbano.

O processo de espetacularização que toma campo nas cidades contemporâneas se relaciona com a diminuição da participação cidadã e da experiência corporal das cidades nas práticas cotidianas. Em contraponto à “cidade vivida”, erguem-se “cidades espetaculares” (cidade-museu, cidade-genérica), que ocultam e eliminam a vitalidade dos espaços públicos.

A espetacularização se dá através de um processo de mercantilização das cidades: a publicidade, o marketing e o branding criam novas imagens para as cidades, a fim de conquistar para elas novos lugares geopolíticos na rede global de cidades turísticas e culturais.

Ao serem construídas aos moldes da publicidade, as novas imagens sobre a cidade são transformadas em mercadoria, em peças publicitárias. E, portanto, como representativas de um consenso. Neste sentido, não há lugar para o dissenso, para o contra-hegemônico.

Os espaços públicos contemporâneos são vistos como estratégicos na promoção das imagens construídas. São eles mesmos reduzidos ao imagético, não se levando em conta as experiências sensíveis e os conflitos vivenciados nestes espaços.

Se transformar o espaço público em imagem publicitária é espetacularizá-lo, é, ao mesmo tempo – e em decorrência disto – desencarná-lo, eliminar a sua vitalidade e suas especificidades, tornando-o homogêneo e consensual. É o que faz muitos dos projetos urbanísticos contemporâneos, que são produzidos em todo o mundo sob os mesmos moldes, gerando cidades padronizadas. A cidade de Barcelona é exemplar: o modelo catalão de “fazer cidade” é exportado para a América Latina através de consultores que replicam as “boas práticas” em pacotes vendidos para mais de 75 cidades do sub-continente.

Isto faz com que cidades distintas se pareçam cada vez mais. E não só devido aos espaços privados, como redes de fast-food, bancos e shoppings centers que atuam globalmente sob as mesmas formatações. Também os espaços públicos são reconfigurados (“revitalizados”) à semelhança dos espaços privados: são pacificados e domesticados. Para ocultar e eliminar os conflitos, os espaços são cercados, amplamente controlados e vigiados (policiados).

As imagens reproduzidas e veiculadas são, então, de espaços aparentemente destituídos de seus conflitos. O que Paola Berenstein Jacques defende é que este é um processo de despolitização dos espaços públicos. Quando apresentados como consensuais e pacificados, são imagens de espaços apolíticos.

A pesquisadora compartilha da concepção de política de teóricos como o filósofo francês Jacques Rancière e a cientista política belga Chantal Mouffe, que entendem o conflito e o desentendimento como categorias fundamentais do político. Logo, pacificar os espaços públicos, transformando-os em meras imagens espetaculares são a própria negação do político.

O “espaço modelo” não prevê conflitos e é idealizado como o “lugar onde se materializam a cidadania, a boa convivência e o civismo”. Porém, por trás do espaço público pacificado, da imagem consensual de civilidade, há uma outra cidade, desigual, conflituosa, marginalizada e escondida.

Esta outra cidade tornada opaca existe e resiste por trás das imagens dos cartões-postais. As “imagens simulacros consensuais” não conseguem apagar a “outra cidade” latente e pulsante. Paola B. Jacques pontua que a cidade-viva, em que esta outra cidade toma corpo, são uma resistência à espetacularização.

A pesquisadora defende ações políticas que conduzam uma resistência à espetacularização, através de ações que explicitem o conflito, que afirmem a coexistência não pacificada de diferenças. Um dos caminhos possíveis apontados por Jacques é a intervenção artística:

“As ações artísticas críticas na cidade são micro-resistências urbanas e têm o objetivo de ocupar, se apropriar do espaço público para construir outras experiências sensíveis e assim, perturbar essa imagem tranquilizadora e pacificada do espaço público que o espetáculo do consenso tenta forjar”.

Como visto, compreende-se aqui a arte para além de uma função cenográfica ou de embelezamento (que está a serviço da espetacularização). A arte é pensada como “fonte explicitadora, mantenedora e até criadora de tensões no espaço público”, dando a ver o campo de tensões entre os que têm e os que não têm voz ativa.

A autora chama atenção para a potencialidade da experiência corporal urbana como micro-resistência. A experiência urbana se inscreve no corpo daquele que a experimenta, criando uma relação sensível e dissensual do corpo com o espaço público.

Um exemplo é a intervenção aCerca do Espaço, do grupo mineiro Zona de Interferência, realizada em Salvador. Os artistas caminharam por pontos de grande movimentação da capital baiana vestindo “cercas” – de madeira, de arame farpado, de aço. A proposta era problematizar e poetizar a relação de cada um com o espaço que nos cerca e com as cercas que construímos ao nosso redor – assim não somos invadidos, nem atingidos, nem atravessados – e fazem referência aos muros reais e simbólicos erguidos na espetacularização urbana.

A leitura do texto vem ao encontro das discussões realizadas em classe(Comunicação, Cultura Urbana e Contemporânea). É possível tecer um paralelo com o texto de Certeau, “A invenção do Cotidiano”: os espaços públicos pacificados são como a Cidade Panorama, envolvidos num afã de planejamento e disciplina que aprisiona a cidade; já a “outra cidade”, viva, é a Cidade Habitada, constituída por sujeitos ordinários que se relacionam com ela de forma complexa e conflituosa.

É possível também ver entrelaçamentos com o texto “Dispositivos de memória e narrativas do espaço urbano: cartografias flutuantes no tempo e no espaço”, pois o que sugere Paola B. Jacques com suas “micro-resistências” é exatamente a apropriação da cidade, a observação das relações dos caminhantes (e seus corpos) com a cidade.

À medida que o texto de Jacques dá a ver as relações de poder que perpassam a cidade, pode-se também relacioná-lo com o de Bauman, “Em busca de refúgio na Caixa de Pandora”. Os dois textos partem da constatação de que as cidades estão sob um paradigma de espetacularização que conduz a uma necessidade de pacificação – neutralização dos conflitos e organização do espaço urbano de modo a se proteger dos perigos estimulados pelo medo e insegurança reinantes na contemporaneidade. Ao mesmo tempo, ambos estudiosos defendem a evidência das diferenças e o contato com o outro como as bases para extirpar as “raízes do medo” (Bauman) e a imagem tranquilizadora do espaço público pacificado, forjada pela espetacularização (Jacques).

No site em que o texto referência está disponível, há também uma série de links de outros textos que contemplam a discussão, bem como do grupo de pesquisa de Jacques e das intervenções artísticas citadas pela autora.

Sobre Paola B. Jacques:  Professora  da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, compõe o grupo de pesquisa Laboratório Urbano, que investiga metodologias para a compreensão  da complexidade do espaço  público contemporâneo.

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